O tema que aqui trago poderá ser um pouco complexo, mas não deixa de ser pertinente, pois a importância das crianças, mais propriamente da relação pais/filhos, terá obrigatoriamente que ser considerada relevante e de interesse geral, no entanto não quero cair no erro de generalizar situações e comportamentos, pois sabemos que, como em tudo, há coisas boas e coisas más, e há casos e casos.
Vivendo hoje, num mundo onde tudo corre demasiado depressa, onde por vezes falta-nos tempo para valorizar aquilo que realmente devemos dar valor, falta-nos o tempo para acompanhar devidamente os nossos filhos nas suas actividades mais determinantes (Escola, Desporto, Escuteiros, etc.). Quando nos apercebemos disso, e falo apenas nos casos em que os pais se apercebem, por vezes já é tarde pois algo que eles tinham inicialmente motivação para fazer, deixou de ter importância pois aqueles que eles mais adoram, não os apoiaram devidamente e aquilo que eles tinha como objectivo deixou de fazer assim tanto sentido.
Quando a criança chega perto de nós pais e diz: “Pai / Mãe, posso ir praticar aquele desporto?” se achamos que devemos ceder a tal solicitação, desde logo o que mais importa é saber os horários dos treinos, se temos ou não “horários” para os transportar e se esse bendito desporto é compatível com as nossas próprias actividades. Como normalmente os treinos desses desportos são em horários pós-laboral, decerto que não há inconveniente, até porque desporto faz bem e convém ter alguma actividade física. Resume-se a isso, as preocupações dos pais, o esforço destes é quase residual e a importância do interesse da criança vem quase por último na pirâmide das prioridades dos seus progenitores.
Começando o processo semanal de treino, fruto da tal vida feita a correr, os Pais começam a praticamente “descarregar” os seus filhos nos locais de treino e a dizer-lhes para que no final do treino não se demorarem, vem a rotina do dia-a-dia, do treino após treino e tudo se torna mecanizado. Diz-me a experiência que raramente se vê um familiar a assistir a uma sessão de treino, ou a questionar o Treinador ou o Professor dos processos de evolução da criança. Se esse desporto tem competição, temos os fins-de-semana com jogos ou provas e aí, os problemas são outros, pois se houver competição no horário de outras actividades, tais como catequese, inglês, explicações, música e outras, todas elas naturalmente importantes, mas que passam prioritárias em relação ao desporto que eles treinam várias horas por semana com o intuito de poder competir no final da semana. Este tipo de priorização das actividades dos filhos é de facto da responsabilidade dos seus pais, mas exige alguma sensibilidade e equilíbrio de forma a conciliar o mais possível com o que são prioridades na óptica dos filhos também, pois situações como esta atrás referida, podem criar magoa a criança e é algo que deixa raízes negativas na lapidação da personalidade do filho, pois não deixa de ser um insucesso ou objectivo não alcançado.
Depois temos capítulo do rendimento escolar, onde quando algo não corre bem, ou de acordo com o esperado, a culpa é sempre parcialmente do desporto que praticam, e indirectamente do tempo que “perdem” nos treinos, optando frequentemente por retirar-se a criança da prática desportiva, muitas das vezes sem uma conversa com o Treinador ou com o Professor, desrespeitando e menosprezando até o trabalho que estes realizam ao longo das sessões de treino, as consequências desse acto e a revolta que é criada nessa mesma criança, vão também influenciar a acima referida lapidação da personalidade do filho.
Soluções para tudo isto? Penso que todos nós, Pais, Familiares, Treinadores e Professores, temos de ensinar essas crianças a organizar o seu tempo e conciliar as actividades, todas elas importantes no seu crescimento e para o seu futuro, e é completamente errado pensar que um aluno que tira tudo 5 ou tudo nota máxima, que está no bom caminho, nada mais errado, isso é a maior certeza de que ele não está habituado a errar, e no processo de formação como pessoa, é indispensável, ele experimentar, ele errar, provar o insucesso, para dar o devido valor a questões como responsabilidade, sucesso, insucesso, exigência, objectivos, superação e desilusão, pois caso isto não suceda corre-se o risco de sair despreparada para a vida assim que saem do véu protector dos pais, pois nunca conviveram com o insucesso e o resultado menos bom, pois foi-lhes ocultada tal situação pela blindagem protectora dos pais, que como é obvio, querem o melhor para eles, mas não os deixaram criar mecanismos de defesa, é como um bebé ter ficado demasiado tempo numa incubadora, fazendo com que não tenha as auto defesas suficientes para o meio ambiente natural. Parece-me que o papel, dos pais muitas vezes é o de correntes guia e não como bóias de protecção, o que tira o papel da experimentação na formação dos seus filhos, quando o ideal seria o importantíssimo acompanhamento do percurso do filho, mas numa forma mais participativa, mais presente e menos ditatorial. O ideal não passa, nem pelo 8 nem pelo 80, o 8 do descarregar os filhos e do não acompanhamento, criando ausência, e o do 80 de excesso de controlo, e de castração das motivações da criança, e tendo em conta os comportamentos dos pais em muitos casos, o 8 e o 80 ficam mais próximos do que isso quando é necessário mudar algo, passando de demasiado relaxamento para um regime ditatorial ou militar.
Voltando à questão do acompanhamento, principalmente no caso específico da competição desportiva, deixemo-nos de falsos argumentos e vejamos a realidade: As crianças gostam de ver os seus familiares e amigos nas bancadas a apoiarem aquilo que eles fazem, e sentem orgulho em fazer. Eu, como treinador, vejo o brilho no olhar dessas crianças e jovens, quando sentem esse apoio, posso até confirmar isso facilmente, pois as minhas equipas que mais êxito desportivo tiveram, foram precisamente aquelas que tiveram por norma um acompanhamento dos Pais acima dos 80%. Prova também, de que o rendimento deles aumenta consideravelmente quando isso acontece. Muita das vezes e não menos importante, os Pais que acompanham regularmente, acarinham muito as outras crianças e jovens que, embora gostando cria-lhes um outro sentimento, o da inveja por existência de espaço vazio, precisamente não preenchido pelos seus progenitores.
Com imenso prazer, afirmo que na minha carreira de treinador, além de fazer amizade eterna com os Atletas, existem Pais de Atletas que devido a um grande acompanhamento da sua parte pela actividade dos filhos, foi-se construindo uma grande Amizade entre eles e eu. Quero continuar a acreditar que isso vai ser sempre possível, de outra forma não continuaria a executar a função que desempenho actualmente. Por outro lado, nas centenas de Atletas que ajudei a formar, existe uma boa percentagem do qual nem sequer tive o prazer de conhecer os seus Pais, ou Familiares mais chegados, facto que sempre me entristeceu.
Por último, deixo uma questão no ar: Se não formos nós a acompanhar os nossos filhos, quem o fará?
José Carlos Rodrigues
Agradecemos ao José Carlos Rodrigues (Litos) a permissão para publicar este excelente texto de sua autoria pois achamos uma mais valia e um bom assunto para todos reflectirmos.
ResponderEliminarO nosso muito obrigado Litos pela contribuição e pelo despertar dum assunto que achamos ser fundamental.